Sabedoria

A vida humana é uma dádiva preciosa! Compreender essa afirmação não apenas filosoficamente, mas em toda a sua profundidade, nos leva a querer compartilhar a alegria de viver, despertando em nós a sabedoria. A verdadeira sabedoria brota de um contato real com o profundo do nosso ser. Conheça abaixo todos os nossos cartões virtuais, o envio é gratuito.

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Morte, Renascimento e Imortalidade

De um ponto de vista bem concreto e natural, dizemos que uma pessoa está morta quando pára de respirar, o funcionamento de seu corpo é interrompido e, depois de todos os procedimentos inerentes a cada tradição em particular, ela desaparece de nossa vista. Aqui já detectamos a essência mesma, a chave para entender o assunto. Duas coisas somem da nossa frente: primeiro, o corpo do indivíduo; segundo, nossa comunicação com ele. Fenomenologicamente falando, é o que chamamos de morte. De certa maneira, a resposta a esta grande questão está aqui.

O problema se situa na crença habitual. O ser humano em um estado comum de consciência, que é o da esmagadora maioria das pessoas, tem certeza, de um ponto de vista racional, político, científico, filosófico, sociológico, antropológico, de que é apenas o corpo físico. Qualquer discussão sobre a morte partindo dessa convicção já fica comprometida. O grande esforço das verdadeiras escolas iniciáticas é despertar o ser humano para o fato de que ele é muito mais do que o corpo. Elas querem levá-lo a perceber que ele é, em essência, outra coisa, é uma consciência que utiliza o corpo como instrumento. O indivíduo que tem consciência de si como algo muito maior que o corpo físico já é um ser iluminado, de qualidade e alto grau de desenvolvimento interior. É este o ponto de partida para a questão da morte. Quando o organismo de uma pessoa falece, ou seja, entra em colapso, deixando de funcionar, e dizemos que ela “morreu”, estamos cometendo um grave equívoco, pois não se trata da aniquilação daquele Ser, mas simplesmente de seu corpo físico.

O problema se agrava para os que vivem apenas no mundo mental, ou seja, que acreditam em filosofias não iniciáticas. Para estes, como aparentemente não é mais possível a comunicação com a pessoa que morreu, fica provado que ela se extinguiu, acabou. Segundo esse modo de pensar, a morte é a extinção do ser. Já para quem tem não apenas a convicção, a fé ou a crença, mas a experiência pessoal de ser alguma coisa além do corpo físico, a morte – extinção desse corpo – não é o término. Quando praticamos no Grupo o mantra “eu não sou o corpo, etc.”, o objetivo é justamente este: que, cedo ou tarde, a pessoa desperte para essa verdade, não como crença de mais uma filosofia adotada, mas como vivência real.

Além deste ponto de partida, vou utilizar também um dos textos tradicionais mais claros e mais importantes sobre o assunto, o Baghavad-Gîtâ. Este grande livro sagrado hindu, respeitado em todo o mundo, é uma pequena (em termos) parte do Mahabharata, que todos os buscadores têm em altíssima conta pela extrema qualidade. Vou mencionar o trecho que trata do discurso de Krishna a Arjuna, exatamente no instante em que vai começar a batalha entre as duas famílias irmãs – Pandavas e Kurus –, para se digladiarem até a morte. O problema da morte é tratado ali diretamente. Vou ler os versículos na versão publicada no Brasil pela editora Pensamento (tradução de Francisco Valdomiro Lorenz).

Vamos começar com o capítulo dois, versículo 12: Sabe, ó príncipe de Pându, que nunca houve tempo em que não existíssemos eu ou tu, ou qualquer destes príncipes da terra; igualmente, nunca virá tempo em que algum de nós deixe de existir. Versículo 13: Assim como a alma, vestindo este corpo material, passa pelos estados de infância, mocidade, virilidade e velhice, assim, no tempo devido, ela passa a um outro corpo, e em outras encarnações, viverá outra vez. Os que possuem a sabedoria da doutrina esotérica (interior) sabem, isto é, não se deixam influenciar pelas mudanças a que está sujeito este mundo exterior.

No texto acima, fica claro o que dizíamos: para entender o problema da morte temos de nos dar conta de que, dentro deste corpo físico, existe um princípio de consciência que podemos chamar de alma ou de espírito (o próprio Baghavad-Gîtâ usa as duas expressões como sinônimas), que não morre. Alguém poderia argumentar dizendo: “admito que meu corpo não seja consciente, mas o meu mental o é”. Todos nós acreditamos que somos o mental, nossa consciência exterior. Esta afirmação é a segunda grande mentira. As pessoas crêem piamente que são o conteúdo de sua mente. A verdade é que o mental, assim como o corpo físico, também desaparece. Bilhões e bilhões de pessoas passam pelo mundo sem despertar para este fato: atrás do corpo e do mental que pensamos ser, existe uma realidade chamada consciência, que é imortal. Este não é um problema para ser explicado apenas filosoficamente: é uma questão de tomar consciência, isto é, ver, perceber claramente, tocar alguma coisa que antes não era tocada. Assim, ou eu sou alguém que, mesmo me declarando religioso, na prática estou convencido de ser apenas um corpo com um mental, ou sou alguém que percebeu que, atrás dessas estruturas e processos, existe uma consciência que vê, que percebe e que não está sujeita, como é dito no texto, às contingências do corpo.

SER: Percebo que, quando pensamos na continuação da vida após a morte, pensamos na manutenção de nossa persona. No meu caso, por exemplo, me pergunto: vou sobreviver como Cláudio? Claro que não é possível, não dá para acreditar nisso. Mas parece que gostamos de supô-lo…

Paulo: Você tocou o ponto preciso da questão. O que posso chamar de persona é justamente o conjunto de conteúdos presentes no mental, no corpo e no emocional de alguém. Nós reunimos essa miríade de aspectos sob um carimbo: “eu, fulano de tal”, e nos angustiamos com a incerteza da permanência, da sobrevivência disso. Isso não sobrevive! Se o corpo físico (que é muito mais concreto e pertence a este mundo) não permanece, como poderiam sobreviver coisas que foram colocadas em mim neste mesmo mundo? As informações, a educação que eu recebi, desaparecerão. Não existe a menor chance de o Sr. Sicrano ou o Dr. Beltrano sobreviverem.

SER: O que em cada um de nós pode continuar existindo depois da morte?

Os versículos 14 e 15 do Baghavad-Gîtâ respondem a esta questão. Eis o 14: Os sentidos dão-te, pelas apropriadas faculdades mentais, o sentimento do calor e do frio, do prazer e da dor. Mas estas mudanças vêm e vão, porque pertencem ao temporário, impermanente, inconstante. Suporta-as com equanimidade, valentia e paciência, ó príncipe! E o versículo 15 diz: O homem que não se deixa mais atormentar por essas coisas, que se conserva firme e inabalável no meio do prazer e da dor, que possui a verdadeira igualdade de ânimo: esse, crê-me, entrou no caminho que conduz à imortalidade.

O homem mencionado aí é uma pessoa que se tornou consciente. A questão da consciência está ligada à da imortalidade. Não é a sobrevivência do José da Silva que é possível. Então, o que pode se tornar imortal? A resposta é: uma consciência que se desenvolve. A imortalidade depende do desenvolvimento da consciência. Todo o trabalho gurdjieffiano visa fomentar o crescimento constante da consciência, a partir da atenção.

SER: A consciência é algo que cresce em intensidade, ou em quantidade e abrangência?

Paulo: Em todos os sentidos, porque a consciência se desenvolve não a partir do mental, do emocional e do corpo, mas do florescimento da alma. A Alma é a sede da consciência, e a atenção é o instrumento que permite fazer a passagem dos centros (mental, emocional e corpo), ou seja, do mundo exterior, para a Alma. Temos de torná-la cada vez mais consciente. É ela, ou seja, o que está no centro do peito, que tem de crescer, expandir-se.

SER: Enquanto nos preparávamos para esta reunião, percebemos o seguinte: existe um princípio imortal e existe o corpo físico que é perecível. Aí começamos a ver o que fica entre uma coisa e outra, e chegamos ao chamado corpo astral, que parece ser o nosso problema. Então nos demos conta de que há um fosso entre a consciência e o corpo físico. Pareceu-nos que nossa grande tarefa seria a construção de uma ponte entre essas duas realidades.

Paulo: Sri Aurobindo, grande mestre hindu, diz: Imortalidade não significa sobreviver à morte. Ser imortal não é ter um corpo físico que não morra. A imortalidade (esta é uma afirmação muito importante) já é uma característica de todo ser humano que nasce, pois significa a imortalidade da alma. Somos, portanto, imortais, só que não conscientemente. A imortalidade implica que você deixe de acreditar só no seu mental, no emocional e no corpo, e passe a sentir: “eu sou uma alma, sou um espírito”. Este é o centro da questão! É a passagem que nos torna imortais. Estamos fazendo esse trabalho aqui no Grupo, quando focalizamos o centro do peito. Só com esse tipo de trabalho poderemos dizer que temos o começo de uma consciência imortal. É em textos como o Baghavad-Gîtâ que podemos nos apoiar para falar do assunto de maneira segura. Temos também de basear-nos nas experiências do trabalho interior. Não adianta discutir filosoficamente este tema! Agora podemos voltar à sua pergunta. Você falava do fosso entre a consciência e o corpo físico. Na medida em que nosso mental começa a compreender certas coisas, ele colabora para o preenchimento do fosso. Então, temos a obrigação de, por um lado, ter uma experiência viva da existência de uma realidade que não é a do corpo e a do mental, que vai além deles; por outro lado, precisamos também convencer nossos centros da existência dessa realidade. Podemos utilizar o sono como um grande auxiliar. Isto foi claramente sugerido pelos gregos, quando colocaram Tânatos (Thanatos) e Hipnos (Hypnos) como irmãos. Hipnos é o sono, Tânatos é a morte. Esta compreensão abre-nos uma porta imensa.

Precisamos sempre de dois auxiliares para entender esta questão: a experiência direta e a reflexão sólida. No momento, estamos pensando por analogia. Há, então, uma analogia entre sono e morte, entre hipnos e tânatos. O que acontece quando dormimos? O sono é como a morte.

A pessoa profundamente adormecida está à mercê de tudo, ela morreu para o mundo exterior. Durante o sono, ela se esqueceu de tudo. Há duas formas de sono: o sono profundo, em que simplesmente se entra em uma inconsciência total, sem a percepção de nada, e o sono com sonhos, agradáveis ou desagradáveis. Há ainda uma terceira possibilidade que todo o mundo conhece: alguém, lá dentro do sonho, tem a consciência de que está sonhando. Isto demonstra que durante o sono, que muitos pensam ser inconsciente, existe a manifestação do fenômeno chamado “consciência”.

Isto é muito sutil, mas é um ponto crucial! Mesmo em um estado considerado irmão da morte, a consciência se apresenta.

Ramana Maharshi, outro grande mestre hindu, dizia que não é só nos casos acima citados que isto se comprova. Por exemplo, ao acordar de um sono profundo (sem sonhos), sabemos se dormimos bem ou não. Então tínhamos um nível de consciência enquanto dormíamos. No sono verdadeiramente profundo, as formas desaparecem, não existe manifestação, e, ainda assim, podemos afirmar que dormimos profundamente. Havia uma consciência durante o sono. Mas consciência de quê? De beatitude. Esta percepção vai ajudar-nos a examinar os estados post-mortem. A consciência da pessoa não viu objetos, nomes, relações, ou seja, o que chamamos de nossa vida. Ela viveu um estado de beatitude. Se você aceita que hipnos e tânatos são irmãos, isto é, que não são a mesma coisa, mas quase, já tem uma indicação de que, mesmo na morte, a consciência permanece.
No estado de sono, mesmo tendo consciência de que dormiu bem ou de que está sonhando, você, com certeza, não se comunicou com ninguém.

Tampouco se pode dizer que no estado de morte ocorra comunicação. Por quê? Porque entendemos que a comunicação se faz apenas por meio de nossos instrumentos exteriores: o corpo, o emocional e o mental. No sono ou na morte, a única possibilidade de comunicação seria entre duas consciências desenvolvidas.

SER: Há relatos de que o Sr. Gurdjieff ficou muito tempo sem dormir. Ele estava tentando intensificar algo?

Paulo: Não, ele diz claramente que não sabe explicar o que aconteceu: ele ficou praticamente três meses sem dormir. Podemos entrar em um estado em que o corpo se recupera sem estar dormindo.

SER: Isto se relaciona com a prática meditativa?

Paulo: Não, ele se deitava para dormir, mas continuava desperto, em plena consciência, com o corpo se recuperando.

Vamos tentar entender um pouco a relação entre o sono e o organismo. O cerne da questão está na consciência. Vamos ao versículo 16 do Baghavad-Gîtâ: Aquilo que é irreal, ilusório, não tem em si o Ser Real, não existe na realidade, e sim só na ilusão; e aquilo que é o Ser Real, nunca cessa de ser, nunca pode deixar de existir, apesar de todas as aparências contrárias. Os sábios, ó Arjuna, fizeram pesquisas relativas a isto e descobriram a verdadeira Essência e o sentido interior das coisas.

O que é real em mim? O que é que nunca pode deixar de existir, apesar de todas as aparências em contrário? É a Consciência, é a Alma. Este é um ponto.

Agora passemos ao versículo 18: Estes corpos caducos, que servem como envoltórios para as almas que os ocupam, são coisas finitas, coisas do momento, e não são o verdadeiro homem real. Eles perecem, como todas as coisas finitas; deixa-os perecer, ó príncipe de Pându, e, sabendo isto, prepara-te para o combate. Vamos seguir com o versículo 19: Aquele que pensa, em sua ignorância: “Eu mato” ou “Eu serei morto”, procede como criança que não tem conhecimento da verdade, porque o que É na realidade, é eterno, e o Eterno não pode matar nem ser morto.

Infelizmente não temos consciência de que existe algo imortal no ser humano. Nossa atenção, nossa inteligência precisa auxiliar-nos nessa tomada de consciência. E aqui (vou repeti-lo quinhentas vezes, se necessário), não se trata de acreditar, mas sim, de ter a experiência direta. O máximo que o mental pode fazer é esclarecer-se sobre o assunto, procurando compreender um texto como este.

SER: A compreensão começa pelo mental?

Paulo: Depende. Algumas pessoas têm a experiência e depois passam a vida procurando a explicação. Outras percorrem o caminho inverso: encontram a explicação e começam a buscar sua comprovação pela vivência direta.

Agora vamos para o versículo 20: Conhece esta verdade, ó príncipe! O Homem real, isto é, o Espírito do homem, não nasce nem morre. Esta é a grande questão! Para o pensamento do acadêmico, ou seja, do homem condicionado pelo mundo exterior, o corpo é a única coisa que existe. Em sua opinião, nós somos escapistas, estamos dando uma de “Poliana”. E não há o que discutir, porque o campo não é de discussão, é de experiência.

Vamos prosseguir. Ainda no versículo 20: Inato, imortal, perpétuo e eterno, sempre existiu o homem real e sempre existirá. O corpo pode ser morto e destruído, porém aquele que ocupou o corpo permanece depois da morte deste. Deixe-me ver se tenho o que acrescentar com base no texto de Sri Aurobindo... Falando da alma, ele diz: A alma é e não pode deixar de ser, embora possam mudar as formas através da qual aparece. Então, devemos encaminhar nosso trabalho para perceber a alma como nosso Ser imperecível, pelo qual todo o Universo foi manifestado.

SER: Estou percebendo que toda a dificuldade, e é uma dificuldade imensa, parece estar aí: se eu entender o que é Espírito, o que é Alma, então, praticamente, acabou o trabalho…

Paulo: Você tem razão, é uma iluminação. Mas o trabalho não acabou. O tempo todo Ramana Maharshi procurava ensinar isso. Nisargadatta, que era uma espécie de Ramana Maharshi mais próximo de nossa geração, pois morreu na década de oitenta, só ensinava isso. Ele ficava irritado quando alguém o procurava mais de três ou quatro vezes para conversar, pois sabia que essa era a única coisa que importava. Ter e vivenciar a compreensão de que somos muito mais do que meramente um corpo, uma emoção e um mental, já é um estado altíssimo de desenvolvimento interior. Não é o estágio final, é claro, mas já significa muito. Toda a dificuldade aqui, no nosso Grupo, é esta: as pessoas querem melhorar seu destino, aperfeiçoar os relacionamentos pessoais e é só. Falam de tudo, só não tocam nessa mudança de identificação. Há um erro de identificação! Somos portadores de uma falsa identidade. A questão toda é essa! Ramana Maharshi passou a vida repetindo-o, como fazemos aqui no Grupo. Não sei se chegaremos a uma solução, porque, por mais que insistamos no assunto, as pessoas, em geral, procuram uma série de coisas absolutamente passageiras, como apoio afetivo, consolo, mas não acordam para essa realidade. É claro que o processo é gradual! E haverá sempre a necessidade de um grupo para que ele ocorra.

O Dr. Conge, nosso instrutor, gostava muito do versículo 22, que diz: Como a gente tira do corpo as roupas usadas e as substitui por novas e melhores, assim também o habitante do corpo (que é o Espírito), tendo abandonado a velha morada mortal, entra em outra, nova e recém-preparada para ele.

Nossa grande descoberta pode vir do método que usa a repetição da frase: “eu não sou o corpo, nem o emocional, nem o mental, eu sou aquele que vê”. Esta afirmação, este mantra, é a fórmula do Baghavad-Gîtâ. À medida que o repetimos, sua verdade vai penetrando em nós. Não como auto-sugestão, evidentemente. Como é que funciona? Podemos fazer uma analogia interessante: um matemático a quem se proponha um problema a ser resolvido, seja de álgebra, de geometria ou outro qualquer, primeiramente estuda a questão, tentando solucioná-la. Esta fase corresponde à repetição do mantra. Um dia, quando está virando uma esquina, a solução lhe ocorre. Se o maior professor do mundo discordar dele, ele não se importará nem um pouco, pois tem certeza do que compreendeu. Em relação ao mantra, o caso é o mesmo: ficamos repetindo as palavras e, subitamente, a compreensão se faz.

SER: Por exemplo, para um engenheiro, compre-ender uma demonstração mais complexa de matemática, precisa ter um alto nível de conhe-cimento do assunto, senão fica absolutamente impossível entender.

Paulo: Falando de matemática superior, você precisa ter um preparo amplíssimo, que é o que tentamos transmitir aqui… De certa maneira, tanto Nisargadatta quanto Ramana Maharshi tiveram esse problema, não prepararam uma base para os alunos. O Sr. Gurdjieff o fez, é um de seus grandes méritos. E nós também procuramos fazê-lo em nossa Escola, semana após semana… Um dia a pessoa acaba adquirindo as condições para compreender esse trabalho!

SER: Continuando a analogia com a matemática: eu estudei a integral tripla, mas, como não pratiquei mais, nem me lembro direito do que é...

Paulo: É uma analogia perfeita. O matemático faz demonstrações para seus pares, nunca para o leigo. É a mesma situação. Alimentado por todo o ensinamento iniciático, um dia o problema se resolve em você, a equação matemática fica solucionada. Nesse momento, você estará em um estado de iluminação. Assim, nosso problema muda completamente, porque a morte é simplesmente o desaparecimento do que é perecível. Vamos desenvolver este ponto. O corpo físico, como todo e qualquer composto material, tem necessariamente um tempo de duração. Até as pedras acabam por se pulverizar ao longo de milhares de anos! Assim, se começo a me dar conta do que realmente importa, ou seja, esse princípio de consciência, quando alguém falece, eu me questiono sobre o grau de desenvolvimento da consciência da pessoa que partiu? O Baghavad-Gîtâ é categórico!

SER: Então, o que vale é cada experiência vivida conscientemente neste corpo?

Paulo: Não, não é isso, o que vale é tomar consciência de que eu sou Alma, sou Espírito. Você se lembra da frase “O homem real, ou seja, o habitante do corpo…”? É deste homem real que temos de tomar consciência. É realmente uma mudança radical de identidade.

Ramakrishna costumava contar a história do tigre que perdeu a mãe ainda filhote, tendo sido adotado por um rebanho de ovelhas que o criou. Ao crescer, ele só comia grama e balia como as ovelhas. Um dia apareceu um tigrão e, vendo aquela cena, ficou absolutamente injuriado. Agarrou o tigrinho, deu-lhe uns tabefes para ver se acordava, mas ele continuava balindo. Então o tigrão o arrastou para um espelho d'água e mostrou-lhe sua identidade. Vendo-se pela primeira vez, o tigrinho assustou-se e deu um rugido! Nossa situação é exatamente esta. Não adianta! Estamos impregnados pela convicção de que “eu sou fulano de tal” e, enquanto for assim, não podemos lidar de forma séria com o problema da morte. Somos o princípio de consciência que está ali. O Sr. Gurdjieff não fala de outra coisa. Quando se refere à “lembrança do Si”, self-remembering em inglês (estou mudando a tradução de propósito), fica tudo mais claro. Em português, quando digo “lembrança de si”, parece que estou falando da lembrança do Paulo. Se fosse “lembrança do Si”, mudaria tudo. Inclusive aqui no Baghavad-Gîtâ, em vários momentos, pelo menos na tradução de Sri Aurobindo, aparece a expressão “lembrar-se de mim”.
Aliás, é bom saber que o Baghavad-Gîtâ tem dezoito capítulos, assim como o livro Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido, de Ouspensky. Aí tem coisa! Mas voltando à nossa questão, as pessoas só querem tocar em experiências que tiveram, nas coisas que possuem. Para elas, isso – exatamente isso que vai morrer – é o real. É preciso um sólido trabalho prático para que o aluno comece a perceber de que “lembrança” estamos falando. Vocês se recordam de que já demos uma entrevista para a SER sobre “a lembrança do Si?” De certa maneira, o tema da morte é continuação daquela.

Ramana Maharshi e Nisargadatta costumavam usar, como método de trabalho, a questão: “quem sou eu?” Esta é uma das principais linhas do trabalho interior hindu. Algumas pessoas, ao invés de repetir “eu não sou o corpo”, preferem perguntar-se “quem sou eu?” Começam, então, a perceber que não são mais a mesma pessoa que eram aos cinco anos de idade, por exemplo. Pouco a pouco, vão-se acercando do assunto até chegar à compreensão de sua verdadeira identidade.

SER: Quando olhamos fotos de várias fases de nossa vida, não há como deixar de perceber as mudanças pelas quais passamos: já fui bebê, depois criança, adolescente, jovem, maduro, velho... Ora, se acredito que sou meu corpo, meu nome, etc., então, não sou nada!

Paulo: Suponhamos, por exemplo, que um médico seja obrigado a se aposentar aos quarenta anos de idade, por motivo de saúde. Ele terá uma enorme crise de identidade, pois acredita piamente que seja um médico. Todo aposentado entra em crise de identidade. Às vezes, escolhe outra profissão e acha que resolveu o problema. Nunca se faz a pergunta certa: quem sou eu? A questão da morte está relacionada com essa pergunta. Se acredito que sou médico, então, quando eu morrer, acabou tudo. Mas se chego a perceber, por meio de determinadas técnicas, que sou o princípio que toma consciência, tudo muda.

SER: Falando de prática meditativa: quando a gente passa pela experiência de alargamento, de expansão, isto vai se cristalizando aos poucos na alma?

Paulo: O Sr. Gurdjieff deixa isto transparente quando diz: o que fica são os momentos de “lembrança do Si”. Sem dúvida. Temos aqui uma regra fácil: tudo aquilo que estabeleceu contato com a Alma, ou seja, com um princípio de Consciência, fica. Quem viveu oitenta anos e só teve alguns segundos de contato, perdeu toda a sua vida. Quantas vidas vai precisar viver essa pessoa que teve apenas momentos fugazes? Para aqueles que, como nós, buscam incansavelmente o contato com a alma, ocorre exatamente o contrário! Vemos que é possível acelerar intensamente o processo de evolução. É o que queremos, é isso que buscamos!

SER: O que representa estar em um corpo físico?

Paulo: Nós valorizamos o corpo físico porque, em nosso entender, nenhuma evolução é possível fora de um corpo. Viver em um corpo físico não é castigo, como se poderia deduzir da interpretação do texto bíblico do Gênesis, em que Adão e Eva, ao saírem do Jardim do Éden, obtiveram um corpo que lhes trouxe sofrimento. Evidentemente, pelo ângulo da fragilidade do corpo, isto é verdade. Mas não é de forma nenhuma um castigo; ao contrário, estar em um corpo é uma grande oportunidade.

SER: Como é a única coisa que vemos, passamos a vida acreditando que somos o corpo físico, mesmo quando assistimos a seu envelhecimento, a sua decadência.

Paulo: Exatamente. Esta jóia da sabedoria hindu que é o Bhagavad-Gîtâ, no capítulo 2, versículo 17, diz o seguinte: Sabe que o Ser Absoluto, de que todo o Universo tem o seu princípio, está em tudo, e é indestrutível. Ninguém pode causar a destruição desse Imperecível. O que é em nós imortal, que não sofre a morte, é este Ser Absoluto, este Espírito. A alma não nasce nem morre. Portanto, fica muito claro que o caminho da não-morte é o contato com a Alma, entendendo-a aqui no sentido mais amplo do termo, incluindo, inclusive, o Espírito. É este o nosso princípio imortal, o princípio divino.

O grande problema do estágio atual de consciência da humanidade é a certeza persistente de que somos apenas o corpo. É a grande ilusão a ser vencida. Entretanto, é preciso compreender o seguinte: tanto no Oriente como no Ocidente (no cristianismo, no hinduísmo, etc.), muitos dizem acreditar que temos uma alma. Mas é apenas uma afirmação mental. Compete-nos distinguir, pelo menos intelectualmente, uma declaração mental de uma verdadeira percepção interior da existência da Alma. É nossa grande batalha aqui na Escola.

SER: O grande teste são nossos problemas, as dificuldades da vida, não é mesmo? Quando digo “Ah, eu realmente acredito ter uma alma imortal”, é apenas uma idéia intelectual bonita, porém vazia e inútil. Agora, quando somos verdadeiramente testados pelos embates da vida, sem ter entrado, nem que seja por instantes, em contato com essa realidade, aí o susto é total: perdemos o chão e nenhuma declaração desse tipo se sustenta mais.

Paulo: É como se as crises viessem para acordar a pessoa que só tem uma convicção mental (vou substituir a palavra intelectual por mental, porque intelectual dá a impressão de um nível um pouco mais alto do que o meramente “mental”). Assim, se sou budista, acredito no budismo, tenho uma convicção mental budista. Problemas acontecerão sempre, porque o dinamismo incessante é próprio da vida. As dificuldades, porém, são muitas vezes oportunidades para percebermos que só temos uma convicção mental da presença da alma imortal. Por isso, quando tudo vai bem, a pessoa faz discursos sobre a alma. Mas quando as coisas apertam, ela entra em desespero, e diz: “Eu rezo tanto, como é que Deus me mandou esta doença?” Aqui fica clara a diferença entre uma convicção mental sobre a alma e a experiência do contato com ela.

SER: Eu queria falar justamente disto. Tive uma forte formação religiosa e, por isso, sempre acreditei na existência da alma. Mas vivenciá-la substancialmente é diferente. Mencionamos anteriormente o teste da vida prática. Agora, eu queria trazer a questão para a prática da calma, nossa prática meditativa, em que entramos em contato com outro nível de substancialidade, mais sutil que a do corpo físico. Ao praticar, a substancialidade que tocamos se alarga, se expande e nos coloca em um estado de profunda calma. É uma vivência clara, sensível, algo que nunca senti quando apenas acreditava na existência da alma. É uma grande diferença!

Paulo: A calma profunda já é uma manifestação da Alma. Se, em determinado momento, conseguimos ter um mental, um emocional e um corpo mais calmos, esta qualidade, que pode e deve estar nos três centros, já vem da alma, não nasce nos centros. É muito importante fazer esta distinção! É por isso que, do modo como temos trabalhado aqui no Grupo, o exercício na calma, ou da calma (vamos usar as duas expressões) é crucial. Quando você toca a calma profunda, que qualquer praticante sério distinguirá de um momento de mero apaziguamento emocional, por exemplo, ela passa a independer dos acontecimentos externos. Qualquer pessoa leiga pode entender. Se saio à rua sem ter recebido nenhum telefonema falando de problemas, se meus filhos não me aborreceram, minha mulher não me incomodou, os negócios vão bem, posso estar emocionalmente calmo, mas é por causa das circunstâncias. O praticante sabe diferenciar esta situação externa do verdadeiro contato com a alma, em que a calma experimentada, além de ser muito mais profunda, não se relaciona com os acontecimentos exteriores.

SER: No seu exemplo, não é a pessoa que está calma. É a vida que está calma…

Paulo: Exatamente. É a vida que está calma, os investimentos vão bem, tudo flui legal. Mas você tem uma possibilidade totalmente diversa. Você pode ter tido um dia ruim, uma semana horrível, um mês péssimo, pode ter sobrevindo um verdadeiro tsunami em sua vida e, mesmo assim, você se senta e busca o estado de calma que reside perenemente no centro de seu coração. E lá, no centro mesmo de seu Ser, é capaz de encontrar essa calma perene. Este exemplo é importante porque é muito prático! Vamos deixar muito claro: o estado de Calma, de Paz profunda que podemos atingir pelas técnicas de recolhimento para dentro do corpo, independentemente das circunstâncias do momento ou de nosso passado recente ou remoto, está ali desde sempre, não teve início nem terá fim. É um aspecto tangível da alma. Qualquer pessoa com um mínimo de disposição e boa vontade, ao praticar aqui conosco uma sessão de recolhimento meditativo, experimenta essa calma em algum grau.

SER: O que significa a palavra “morte”?

Paulo: Vamos examinar a palavra “morte”, raskua ou raskuarno, como o Sr. Gurdjieff a chama na obra Do Todo e de Tudo. Quando fizemos no passado uma pesquisa etimológica da raiz dessa palavra, encontramos, no grego, o seguinte resultado: eskorno, de eskoarno, significa trevas, escuridão, vertigem, reino dos mortos. Ou seja, a morte é a entrada em outro reino, um reino de escuridão, de trevas. Ora, o que significa esse reino, ou seja, o que significa a morte? Neste sentido, a morte não é apenas a perda do corpo físico; é a passagem para um estado de “escuridão”. Que trevas são essas? Exatamente a ausência das coisas mundanas. Aqui já estamos entrando no plano prático. Por exemplo, quando você entra no estado de calma profunda, podemos dizer, de maneira simbólica, que você entrou em um estado de escuridão, uma vez que as coisas do mundo desapareceram para você. O que chamamos vida? Estar vivo é estar em um corpo físico, participando do mundo. Então, quando o corpo desaparece, fato que chamamos “morte”, desaparece para essa consciência, para essa alma, a possibilidade momentânea de participação nos negócios do mundo. É essa a escuridão a que nos referimos.

Outra possibilidade de análise da palavra raskuarno deriva da palavra arnomai, que quer dizer negar, refutar, e também alçar-se, elevar-se. De fato, na morte, dizemos não para as coisas do mundo.

Para esta concepção de um Espírito, uma Consciência, uma Atenção, uma Alma

(estou usando tudo isso como fazendo parte do mesmo conteúdo), a verdadeira morte não é a perda do corpo físico, mas a separação e a negação do mundo exterior. Se voltarmos à visão do Bhagavad-Gîtâ, que afirma que o espírito, a alma têm, depois da morte, a possibilidade de usar outro corpo, também faz sentido. Arnemo é colocado aqui como enfronhar-se, enfiar-se em, entrar no fundo de. Então, no sentido que o Sr. Gurdjieff usa no livro Do Todo e de Tudo, a morte é um enfiar-se em outro mundo. Só que a maioria das pessoas, quando perde o corpo físico, entra em um mundo de trevas, um mundo que, para elas, é de desespero – porque jamais visitaram deliberadamente o mundo consciente durante a vida. Para elas a morte é assustadora, representa trevas, obscuridade apavorante e infernal. Assim, a pesquisa da palavra raskuarno deu-nos a chave para entender a morte no sentido corrente. Quando a pessoa perde o corpo que faleceu, sua consciência entra em um mundo de trevas, de escuridão, de não-participação. Podemos compreender a angústia desse indivíduo, dessa consciência que habita o corpo.

Algumas pessoas aqui do Grupo, ao fazer a prática que chamamos de Revitalização Integral, têm vivenciado o mergulho na espinha dorsal que as leva a entrar nesse plano de vazio, de desconexão com a vida corrente. Na medida em que o experimentam, o problema da morte se torna mais simples. Provavelmente, a esmagadora maioria dos praticantes vai ficar nos apegos familiares que lamenta deixar. Mas não sentirá mais o grande pavor da morte.

SER: Passei várias vezes por uma experiência interessante: acordo no meio da noite, ou melhor, acho que a consciência desperta e o corpo não, porque não sei onde estou. Na última vez, consegui não entrar no desespero de querer voltar rápido para o corpo. Fiquei um pouco ali. Acho que talvez seja algo próximo da morte.

Paulo: Não, eu diria que você foi mais longe. Você vivenciou o momento em que poderia quase escolher a própria reencarnação. Você veio de um estado de “morte”, lá do fundo, do desconhecido, mas, como estava consciente, não ficou desesperado nem apavorado. É um momento em que a consciência pode até ter uma possibilidade de escolha sobre sua reencarnação. Dispomos de duas formas de estudar diretamente o problema da morte. A primeira é quando dormimos à noite. Ao acordar cada dia, não percebemos que viemos de um mundo em que estávamos completamente imersos nas trevas, inconscientes; ao mergulhar no sono, também não nos damos conta de que estamos, em certo sentido, morrendo. Assim, este habitante do corpo ensaia sua morte todas as noites, sem percebê-lo. De manhã, após algumas horas, ele volta ao corpo, ou seja, reencarna. É muito provável (não posso garantir porque nunca vi nenhuma referência) que os antigos tenham chegado à idéia de reencarnação por esta via, pensando por analogia. Há uma oportunidade incrível no instante em que você já não está dormindo, mas ainda não acordou – a oportunidade de escolher sua reencarnação. Mas não só. Neste momento privilegiado você pode, por exemplo, optar por mudar algo em si mesmo ou em sua vida. É um instante com uma admirável condição de escolha. Poderíamos dizer, portanto, que cada despertar matutino traz a possibilidade de uma nova vida. Enquanto você ainda não movimentou o corpo, pode tomar a clara determinação de não querer mais certas coisas para si mesmo. E há mais! À noite, no adormecimento, ocorre a mesma coisa. Você pode dizer-se: “Na minha nova vida, amanhã, não quero mais isso”. Assim, todos os instantes do dia podem ser utilizados para o trabalho interior. Nada é perdido ou desperdiçado! Então, quando estiver deitado e perceber que está afundando na escuridão, bem nesse momento, nessa brecha, você pode formular o seu voto de transformação interna e reafirmá-lo quando estiver acordando.

Outro meio ao nosso alcance de estudar o problema da morte é utilizar o que os hindus chamam de kumbaca: o espaço entre inspiração e expiração, quando não há respiração. Este momento é uma brecha. Por definição, o momento em que você não está respirando é a morte, o vazio. O que é vazio? Nesse sentido, é a não-presença de conteúdos mentais, emocionais e orgânicos. A morte do corpo físico vai causar esse mesmo estado na consciência do indivíduo, dissolvendo tudo o que ele chamava de eu, de meu, ou seja, esses conteúdos. Na verdade, ele pode entrar em um estado absolutamente maravilhoso, de plenitude. Estamos dando aqui algumas indicações do que se passa no momento do falecimento físico. Assim, ao acompanhar alguém que está para falecer, você terá condições de saber exatamente o que está acontecendo com a pessoa.

SER: Passei por esse tipo de experiência na noite passada. Minha tia faleceu e eu quis fazer a experiência de praticar no velório, onde estávamos eu, ela e pouquíssimas pessoas. Percebi que há um momento em que a energia está muito agitada, assustada mesmo, mas, se você interferir, ela amansa até mesmo dentro do seu corpo, e isso passa para o Ser da pessoa que morreu.

Paulo: É por isso que, dentro do cristianismo, o padre diz “Vá em paz”. A pessoa que morre fica muito inquieta e você pode, em primeiro lugar, não se deixar contaminar por aquela angústia, porque senão você sairá dali com más impressões gravadas no subconsciente, sem saber por quê. Você pode ter absorvido a angústia da pessoa. Mas você pode também depurar tudo isso e ajudá-la. Na visão gurdjieffiana, procuramos compreender os princípios que regem determinada situação. Se você compreendeu o princípio, pode colocá-lo em prática e resolver qualquer situação semelhante.

SER: No caso que relatei, em que claramente havia uma agitação energética, a gente come um pouco dessa energia negativa?

Paulo: Depende do seu treino. Se estiver suficientemente treinado, não come. Simplesmente ajuda a pessoa, sem carregar sua energia negativa.

SER: Nesse sentido, ter sensações ruins ou desagradáveis nessa hora significa estar comendo coisas negativas?

Paulo: Sim, porque o que você está captando ali são seus velhos fantasmas, suas associações subjetivas com a morte, seus velhos conceitos. E no entanto, trata-se de um processo absolutamente natural e inevitável, porque o corpo físico, mesmo que pudesse viver duzentos anos, um dia tem de ser descartado. E é importante que seja! A gente não faz isso com os automóveis, com as roupas, etc.? Deste modo podemos começar a compreender o que se passa com aquela consciência que está ali. Quando, para você, é clara a compreensão de que há uma consciência e há um corpo, então é possível, eventualmente, ajudar aquela consciência a não se assustar tanto. Como, naquele momento, essa consciência está se desapegando das limitações do corpo, ela pode captar com facilidade o que você está vivenciando em sua consciência.

SER: O que acontece com a alma ou com a consciência da pessoa que morreu?

Paulo: Ao abandonar o corpo físico, ela tem de tomar outro destino. Nesse momento, se você estiver em estado de calma, pode perfeitamente tranqüilizar e orientar essa consciência, ensinando-lhe que ela entrará em um estado de vazio, de desconexão. Tanto é que, em muitos lugares, diz-se ao moribundo: “esqueça as coisas, deixe a preocupação com a família, largue tudo, não se preocupe, vamos resolver tudo para você”. O grande problema da pessoa que está morrendo é o corte, a separação do mundo em que ela está imersa. Tanto é que um dos fundamentos do nosso trabalho e de todas as tradições, sem exceção, é a não-identificação. Quando propomos às pessoas que, na prática da meditação, se desliguem do mundo exterior, elas ficam horrorizadas, acham que estão perdendo algo. Ao praticar a separação, a não-identificação com o corpo, estamos praticando a morte consciente. Se não o fizermos antes, será feito com certeza no momento do falecimento de nosso corpo físico. A morte é um corte. É por isso que a carta 13 do Tarô de Marselha é um ceifeiro.

SER: A imagem que me vem é a da situação inversa, do nascimento. O bebê também foi cortado, deixou de ser algo muito maior para se individualizar.

Paulo: Se olharmos bem, em nenhum dos casos há castigo, o que existe é uma oportunidade. Mesmo quando o bebê vem para cá, não é um castigo. Você poderia dizer que há uma angústia muito grande no momento do nascimento, da encarnação. Só que o bebê não vem de um estado de consciência com esse tipo de conteúdo. A consciência que encarna no bebê tem conteúdos de sentimento, de paz. Quando ele chega aqui, entra em um estado de aflição. Ele está entrando em uma coisa apavorante e estranha, como o corpo físico. Outra coisa: ele começa imediatamente a ter sensações. Quero chamar a atenção para outro ponto que me ocorreu agora, a respeito do arcano 13 do Tarô. Como sabem, a adição teosófica de treze é quatro. Dizemos aqui que um dos pilares do nosso trabalho é a não-identificação. Podemos, então, tranqüilamente dizer: o Quarto Caminho é o caminho da não-identificação consciente, trabalhada de forma deliberada e prática. Dissemos recentemente que o Quarto Caminho é a via da Alma, porque temos três centros e o número quatro seria a Alma. Isso é perfeito! Estamos agora complementando nossa compreensão. Quando se entende que o Quarto Caminho é o caminho da não-identificação, é possível praticá-lo em qualquer lugar.

Sempre nos preocupamos em oferecer uma pluralidade de técnicas em nossa Escola, porque é preciso ir além da técnica. Se você estiver ensinando à sua alma, à sua atenção, a não se identificar, já está no Quarto Caminho, independentemente de seus métodos. Você pode questionar este ponto, lembrando-se do faquir que tenta não se identificar a partir do sofrimento físico ou do desenvolvimento da vontade. E do monge também: “Eu adoro a Deus”, ele declara, tentando canalizar tudo para este foco em seu processo de concentração. A não-identificação, entretanto, está muito acima da concentração. Podemos usá-la como quisermos. Em nosso caso, utilizamos a mesma ferramenta, a concentração, por meio da repetição de “mantras”, por exemplo, e com isso desenvolvemos o processo de não-identificação.

SER: Se o grande problema do ser humano é a identificação com a vida terrestre, então nossa esperança passa a ser o desenvolvimento da capacidade de participar da vida, do mundo, de uma maneira mais desapegada, mais livre, como uma testemunha.

Paulo: É verdade, você está correta. Mas podemos ampliar: o problema é a identificação com o que não sou. Tenho de buscar o que Eu Sou, mergulhar no Eu Sou. Voltamos aqui ao velho Ramana Maharshi, à eterna pesquisa: “quem sou eu?” É preciso utilizar o método de não-identificação que introduzimos aqui no Grupo: “eu não sou meu corpo, não sou minha emoção e não sou o meu mental. Sou a Presença que assiste”. Este poderia ser o método fundamental do Quarto Caminho.

SER: Eu queria fazer aqui uma ligação com a respiração. Quando inspiramos, há um instante em que a inspiração pára (como uma morte) e, em seguida, expiramos até o ponto em que a expiração se interrompe (também como uma morte). Acredito que este processo todo acompanhe a circulação da energia interna: a energia sobe e depois desce de novo.

Paulo: Isto acontece com a circulação sangüínea, e é muito interessante, fascinante mesmo, porque há uma lei universal de circulação. Se há uma lei no universo que faz tudo girar de maneira circular, a lei da nossa encarnação tende a seguir o mesmo padrão. A encarnação e a morte, então, seguem o mesmo processo.

SER: A partir do que vimos, começo a entender a comunicação que se estabeleceu entre meu Ser e o Ser da minha tia que faleceu: não me comuniquei com ela como afilhada, como sobrinha.

Paulo: Foi uma comunicação de consciência para consciência.

SER: Eu me comuniquei com a consciência dela, explicando, na minha medida, o que estava acontecendo: que ela não era o corpo e que precisava se acalmar, porque, no momento em que o fizesse, teria condições de saber aonde deveria ir.

Paulo: Ela teve muita sorte de você estar ali, e você também teve muita sorte, porque o seu aproveitamento foi fantástico. De certa maneira, sua vivência com ela contém todos os elementos que estamos discutindo.

Continuando nossa pesquisa, há algo bastante misterioso nesses significados esotéricos da morte. Isto aqui é da tradição ocidental, mas também aparece no budismo. O Bardo Thödol, o Livro Tibetano da Vida e da Morte explica os estados de consciência pós-morte, naturalmente segundo a estrutura de pensamento dos budistas tibetanos. Ele diz que a pessoa que falece entra em uma luz, a lux fulgentissima, em latim, que quer dizer luz fulgurante, luz extremamente intensa. Sabemos que, se olharmos diretamente para o sol, não enxergaremos mais nada, pois sua luz intensa nos cegará. Isto sugere o seguinte: é muito possível que a escuridão da morte, para a pessoa que falece, seja uma luz tão intensa que ela fica cega. Segundo o budismo tibetano, a pessoa que morre vê aquela luz assustadora, foge e volta para reencarnar, em vez de ir em direção à luz. Ou então, procura uma luz bonitinha, um colorido que lhe pareça agradável e que, na realidade, são portas de reencarnação.

SER: Quando a pessoa que faleceu abandona o corpo, para mim, é como trocar de roupa: tiramos a roupa velha que não serve mais e vestimos uma nova.

Paulo: Às vezes o processo é extremamente longo e doloroso. Sua tia não sofreu durante muito tempo? Para quem tem um infarto fulminante talvez seja ainda pior, porque a pessoa está menos preparada. Em um processo gradual, uma doença crônica, pode ser mais fácil enfrentar a morte. O importante é não se esquecer dessa luz intensa, maravilhosa, que, segundo os tibetanos, aparece na hora da morte.

SER: Isto me faz lembrar a experiência simples de acordar e não saber ainda onde estamos. Ficamos desesperados para situar-nos, para recordar nossos conteúdos, quando talvez pudéssemos aproveitar a experiência daquele momento para reconstruir, digamos, em outro patamar, o que seria o equivalente dessa luz brilhante.

Paulo: Exatamente. Você percebeu o que, para o tibetano, é o molde da reencarnação.

SER: Quando somos concebidos no ventre de nossa mãe, a primeira coisa que se forma é a coluna vertebral. Ao entrar em contato com ela nas aulas de Revitalização, estamos contatando a porta de entrada no momento do nascimento e, por conseguinte, a porta de saída no instante da morte?

Paulo: Tanto na embriologia humana como na dos animais, acontece o seguinte: a partir do encontro do espermatozóide com o óvulo, depois de certo tempo, a primeira formação é exatamente o eixo espinhal. Daí sai o cérebro, todo o sistema nervoso e os órgãos. Você tem razão! Faz muito sentido, porque quem pratica de alguma maneira o mergulho na medula, na coluna vertebral, como o fazemos aqui, está praticando a “morte consciente”. Em Do Todo e de Tudo, o Sr. Gurdjieff diz que na medula se localiza o Princípio Feminino do Universo, ou seja, a segunda força da Santíssima Trindade, a Vida (neste sentido, ele vai ao encontro da biologia). Assim, voltar à medula todos os dias é incrementar a saúde, a longevidade e eventualmente a própria imortalidade (que não é a do corpo físico).

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